A África de pele negra, de olhos negros, de cabelos
negros é a África que não tem dia reservado para a consciência negra
Gito Wendel
A África de pele
negra, de olhos negros, de cabelos negros é a África que não tem dia reservado
para a consciência negra, para a consciência de quem são, para a consciência do
que foram, do caos da escravidão, da exploração dos outros que cruzam mares e distâncias
para lhes tirar a liberdade, a música, o ouro, o petróleo, a fé e a identidade,
quando não, a vida.
A África não tem
dia reservado para a consciência. Triste dia são os dias reservados para
recobrarmos a nossa consciência do real valor do que se comemora. Lembrando que
comemorar é memorar-com, ou seja, memorar junto, trazer à memória em grupo,
lembrar acompanhado.
Precisamos de dia
marcado para comemorar, memorando juntos, o dia das mães, dos pais, das
crianças, do indígena, do negro, dos namorados, talvez porque nos tornamos
pessoas frias em seus relacionamentos e esquecidas de suas memórias, o que
deveria realmente ter valor em nós.
Se tivesse real
valor em nós, não seria dia reservado para memorar, seria apenas a memória
sempre presente, sem agendamento. Seria o memorar no dia-a-dia. Muito mais
sincero. Revelando em nós, muito mais humanidade e uma boa memória, do que vale
a pena lembrar e reviver, ainda mais "com", ou seja, acompanhado.
Na África não tem
dia reservado, mas se com-memora. Juntos, muitos se lembram de suas dores, de
sua história, de seu passado de lutas e glórias. No entanto, a África perdeu o
tom. Lembra-se muito e se esquece de construir o futuro. O exercício de
re-lembrar deve ser para re-construir um futuro.
Quem pouco conhece
de seu passado e sua história, pouco almeja no futuro. E se não conhecermos bem
nosso passado, podemos repetir os erros dos anos que se foram.
A África negra foi
enfeitiçada por uma bruxa que atravessou oceanos e ensinou-lhes a se apoderarem
de coisas para que tenham preço.
Coisas tem
preço. São compráveis, negociáveis. Pessoas tem valor. Não se compra. Não se
pode vender. Mas aqui a bruxa ensinou que tanto coisas como pessoas podem
ser produtos e tem preço.
O feitiço tomou o
coração de muitos, que envaidecidos pela sedução da bruxa e seus anéis
dourados, perderam sua essência e identidade e se transformaram em mercadoria
ao comprar e vender a alma.
E mais do que
nunca, é preciso ter dia de consciência. De conscientização. De lembrá-los
que são humanos. Não são produtos.
Gente não se vende
e não se compra.
Que a escravidão é
também uma algema e um grilhão que se ata ao coração e à consciência. Quem não
libertar a consciência, terá a maior das prisões.
Por isso, no dia de
hoje, liberte-se. Permita-se à liberdade de pensamento. Não tranque suas ideias
num calabouço. Não tema o olhar hostil dos senhores de engenho que querem se
apropriar de todos. Faça do dia da consciência negra, o dia de sua libertação
todo o dia e transforme esse dia, em data cravada no coração, sempre.
Sim, pois todos,
precisam libertar-se das correntes que travam a consciência.
E então, seremos
livres para com-memorar, sem marcar data, apenas pela consciência que sem
memória, o novo nunca acontecerá.
Rogers Wendel –
Voluntário à Missão Salvar Crianças Bruxas – Caminho Nações - Eket, Akwa Ibom
Nigéria
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